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Leia maisConsequências emocionais e sociais do isolamento prolongado
Há certo tempo não sinto o impulso de escrever sobre algo, porém recentemente vivi algo a nível pessoal que me trouxe de volta.
Estamos globalmente privados de contato, pelo distanciamento de pessoas queridas, de eventos que habitualmente frequentávamos, dos cursos presenciais, viagens e mesmo de rever e abraçar familiares que moram em outras localidades. O estágio de modernidade na tecnologia nos permite trabalhar, conversar e frequentar cursos remotamente. Imagine você, se nem isso estivesse disponível...
Mesmo assim, não estamos conseguindo a regulação somática que acontece no encontro com outros de nossa espécie. Me parece, por minha própria experiência, que estamos mais envolvidos agora com o trabalho do que anteriormente. E não é somente o volume de coisas por fazer que cria tensão (muitas delas esperavam por um tempo livre nosso), mas estamos nos envolvendo com mais tarefas e interesses do que antes.
A proliferação de convites para as Lives que nos chegam diariamente, a proximidade intensa e muitas vezes hostil com familiares, durante as quase 24 horas; as crianças sem escola, mas que mantêm suas demandas por atenção; nossa falta de disciplina em separar o tempo pessoal do profissional, permitindo que tudo se misture e nos acarrete imensa carga emocional, antes não tão intensa. As sobrecargas se acumulam e ficamos apreensivos, angustiados e com medo que essa situação dure para sempre ou não mude num prazo previsível. Sentimos necessidade de previsibilidade, que alimenta uma sensação de estarmos no controle de tudo.
Moro só, mas tenho uma filha na primeira infância que fica comigo por alguns períodos, numa divisão igualitária de responsabilidades pactuadas entre os genitores. Nessas semanas que temos estado juntos aprendi muito em como gerenciar o tempo. Afinal, além de ter uma individualidade, sou profissional e pai. E este último papel assume a dianteira nesses momentos.
O cansaço maior se torna inevitável pelas tarefas a mais que não teria estando sem ela. As demandas de uma criança, privada de contato com os colegas, amigos e dos encontros sociais antes frequentes, como as festinhas de aniversário, idas a parques ou a uma sessão de cinema no shopping, aumentam. Como pai, preciso ir com mais frequência ao supermercado, planejar as refeições ao longo de cada dia, pensar em tudo o que ela irá precisar, como tomar sol, brincar ou fazer atividades. Isso tudo sem perder a noção dos limites necessários à sua formação como ser humano.
E aqueles outros afazeres, pessoais e profissionais, como ficam? Alguns precisam aguardar a semana seguinte, outros vão sendo ajustados nas horas de vigília. Imagino o que seja viver em uma casa com várias pessoas, cada uma com seus interesses e peculiaridades. Me sinto afortunado por ser responsável apenas por uma criança neste momento, que me traz aprendizados imensos, mas muito mais alegria do que preocupações!
Mesmo me disponibilizando para ela na maior parcela do tempo em que fica comigo, é inevitável que ocorram contrariedades e o equilíbrio emocional se afete. E foi notando essa dimensão do atrito natural, mas indesejado é que passei a me observar mais cuidadosamente. O que consegue me tirar do prumo? O sentimento de estar sobrecarregado, com certeza. Mas afinal, é algo que posso mudar? A realidade lá fora será alterada por alguma ação minha?
Tudo o que consigo mudar é o que há dentro de mim, e somente isso. Entretanto, a partir desse olhar analítico sobre meu estado emocional, posso prevenir situações que, se acumuladas gerariam estresse. O que precisa ser feito não vai mudar e estará aguardando por mim, mas posso escolher priorizar o que realmente é importante a cada momento. Muitas tarefas e interesses que nos chamam a atenção pela urgência, não terão maiores consequências se esperarem um pouco. Não vamos morrer por deixa-las aguardando. Pelo contrário, poderemos ter o tempo necessário para maturar as soluções um pouco mais, ao invés de reagir apressadamente para nos livrar logo delas.
Estabelecer rotinas flexíveis é muito importante para nossa saúde física e mental. Tudo o que aponta para a rigidez precisa ser flexibilizado. Me surge a imagem do carvalho e do bambu. O primeiro é firme, rígido e não se dobra aos ventos. Acaba sendo tombado por uma tormenta. Já o bambu se curva, cedendo àquela força maior que ele, mas logo que o temporal se acalma, sua resiliência o faz voltar ao estado natural.
É fato que passamos por muitas situações estressantes na vida. A repetição de eventos aversivos modela nosso sistema nervoso para o pessimismo e a autoproteção, muito mais voltada à fuga para a não repetição de tais eventos do que para dar a eles uma resposta adequada e assertiva. Estudo isso há anos e trato cotidianamente de pessoas que sofrem muito por se considerarem vítimas de outras pessoas ou das circunstâncias.
Mas por buscarem ajuda, por não se entregarem a um destino inexorável que as vêm infelicitando por anos, já mostra uma coragem importantíssima para virar o jogo. Ninguém é mais forçado a viver sombriamente, subjugado pelo medo ou reagindo agressivamente aos menores estímulos. Nem todos sabem disso e, ao simples imaginar lidar com dores tão profundas, preferem deixar tudo como está. Estão ali, mas esse sofrimento é um velho conhecido. Manter-se no controle da situação parece ser a melhor opção.
Não é, pois nosso corpo armazena todas as experiências de forma somato-motora. E é pelo corpo que as memórias que causam sofrimento serão convertidas, tornando-se simples lembranças sem as tonalidades emocionais desagradáveis. É um processo de autocura, pois residem em nós todos os recursos necessários. Algumas vezes precisamos apenas dos estímulos certos e bem-dosados por um terapeuta com experiência clínica nessa área.
Então cure seu corpo, descarregue o excesso de energias que estão represadas pelas constantes ativações por anos a fio, e cure sua mente. Não se trata de catarse pura e simples, que seria como liberar o excesso de pressão da panela antes que exploda. Antes disso, é apagar o fogo que aquece a panela e a faz ferver.
Isolamento ou distanciamento?
Em tempos de pandemia, as autoridades globais estabeleceram o isolamento social como única forma eficaz de conter a proliferação de casos. E para pessoas em vulnerabilidade emocional, as notícias vindas da mídia e redes sociais - algumas mais inúteis e alarmantes – constituem mais uma fonte de estresse e tensão.
Escrevo este texto ao final da primeira semana de contenção. Período em que presenciei corrida à centros de imunização, e arremate dos estoques de álcool 70 e respiradores (as tais máscaras cirúrgicas), na tentativa desesperada de proteger-se do pior. Nosso sistema mais primitivo tomou as rédeas e deixou a racionalidade de lado! Mas não basta reagir irracionalmente e por impulso. Somos dotados de um sistema de autorregulação que se aciona ao pararmos por alguns minutos e observarmos nosso estado com atenção, a começar pela respiração.
Ao ouvir ontem o pronunciamento do governador do Paraná, ficou claro que não estamos em quarentena, mas apenas em distanciamento social. Noutro dia, ouvi de funcionário num restaurante naturalista: “menos de 10% das pessoas que comem aqui lavam as mãos antes”, numa demonstração de que os hábitos de higiene deficiente facilitam a entrada de patógenos em nosso organismo. Lavar as mãos com surfactante por no mínimo 20 segundos, além dos celulares e de outras coisas com que mantemos contato diário, e o distanciamento de situações de contágio ainda são as melhores alternativas, já que ainda não existem vacinas que imunizem contra o SARS-COV-2, e máscaras são necessárias apenas a quem tem sintomas ou está com a imunidade baixa.
Tomando os devidos cuidados e permanecendo mais tempo domiciliados, fazemos o que é necessário. Extremamente importante manter-se em equilíbrio e atentos. No Somatic Experiencing© chamamos a isso de Resposta de Orientação Exploratória, uma prerrogativa de nós, seres mamíferos. Só a partir dessa abertura aos estímulos do ambiente poderemos tomar ações apropriadas e efetivas. Algumas pessoas, acostumadas à agitação e ao movimento que o mundo proporcionava, poderão se sentir indispostas e depressivas diante dessa solidão compulsória. E para quem precisar de ajuda, ela está sendo oferecida por nós psicólogos, e pelos terapeutas que adotaram atendimentos on-line para acolher a todos, em muitos casos de forma voluntária. Uma forma de co-regulação com outros da mesma espécie que todos ansiamos e necessitamos.
As rotinas estressantes que nos roubavam o tempo até há pouco perderam o sentido. Prejuízos financeiros todos terão, “vão-se os anéis, ficam os dedos”. O importante é mantermos nosso bem maior – a saúde – e preservar nossos afetos e aqueles não resguardados pelos direitos trabalhistas, cuja sobrevivência depende de serviços eventuais e sem vínculo formal. Fornecer a eles EPI’s adequados e mantê-los em atividade será fundamental nesse período caótico. Porém, outro panorama se descortina: histórias não acabadas vêm inevitavelmente à tona e fazem ressurgir conflitos antes camuflados. Pessoas que apenas se suportavam mantendo as aparências sociais são novamente defrontadas. Portanto, necessário manter equilíbrio emocional e o distanciamento também da ira, mágoas e decepções, que reduzem a imunidade. Se estiver muito difícil, busque ajuda. Não é vergonha alguma tratar suas emoções abaladas.
O momento é de recolhimento e autoanálise. Um movimento silencioso de retorno à nós mesmos e àqueles que convivem conosco sob o mesmo teto. Vai sobrar tempo para planejar como queremos estar após a pandemia, mesmo em home office. Aproveitar o tempo a mais para aprofundar o convívio familiar e planejar formas mais simples de viver, parece ser a tônica do que estamos vivendo.
Esse microscópico ser nos afeta a todos democraticamente. Não tem preferências por etnias ou camadas sociais, nem locais geográficos para se alastrar. E só atinge os humanos. Interessante, não? Parece que a humanidade tem uma importante reflexão a fazer sobre seus valores enquanto sociedade, num momento em que se fala tanto em transição e impermanência.
Em que momento vivemos?
Escrevi esse artigo para a revista VIVA Magazine e gostaria da opinião de vocês sobre o tema ou pela reflexão que proponho:
A opressão, a que estamos sujeitos na vida urbana está nos tornando superficiais e agressivos, quase enlouquecidos com tanto a fazer e sem tempo para prestar atenção em algo ou alguém que tenta nos tirar desse frenesi.
Enquanto nos sentirmos saudáveis e cheios de vida, prosperando em nossas profissões, mesmo que percebamos problemas ocorrendo com os outros, cremos que nada nos atingirá.
E assim passamos pela existência, consumindo novidades de que não precisamos e propagando nosso melhor lado nas redes sociais, buscando sobressair na multidão. Enquanto isso nosso lado sombrio fica oculto, porque são poucas as pessoas confiáveis. Temos centenas de amigos virtuais que interagem com likes e comentários, e quase ninguém que nos olhe e com quem possamos abrir nossos corações.
Como chegamos a esse ponto? Talvez nos movendo como manada, atentos apenas aos estímulos externos que nos fascinam e consomem, que nos fecham para o real, ao ponto de nos distanciarmos de nossa verdadeira natureza humana.
Adoecemos emocionalmente afirmando estar “tudo bem”. Não está. Buscamos alívio imediato para as dores da alma, cada vez mais crônicas e que criam ansiedade e depressão absurdas, até quer sejamos parados pela vida, desperdiçada tentando ser o que não somos. Comportamentos esses que geram grande desregulação emocional.
Nos perdemos de nossos sonhos e aspirações. Estamos cheios de frustrações que não toleramos facilmente, sintomas que mostram no adulto disfuncional as questões mal resolvidas da infância, quando aprendemos a nos defender da desatenção e da falta de apego seguro por parte de nossos cuidadores. Podem ter abusado de nossa confiança e assim generalizamos nossa desconfiança.
Isso pode ser revertido? A resposta é sim, e quanto mais cedo melhor.
Sensação e sensopercepção
A perda de autopercepção é causada pelas tensões musculares crônicas. Essas tensões diferem das tensões normais cotidianas por serem persistentes, por possuírem uma contratibilidade muscular inconsciente que se tornou parte da estrutura do corpo ou da maneira de ser. Por causa disso, a pessoa não percebe que tem essas tensões até que elas comecem a lhe causar dor. Quando tal acontece, poderá sentir a tensão subjacente, mas não percebe o que isso significa e como ela foi criada. E encontra-se completamente sem ação para fazer alguma coisa no sentido de liberar a tensão. Na ausência de dor, contudo, a pessoa não tem a menor percepção de como é sua postura e mobilidade. Sente-se desconfortável em suas atitudes estruturadas, sem perceber as limitações que essas atitudes causam em seu potencial para viver.
Um músculo só se torna tenso sob estresse. Quando um corpo se movimenta livremente, não sente nenhuma limitação. Os estresses são de dois tipos: físicos e emocionais. Segurar um grande peso é um estresse físico, como a continuação de uma atividade ou movimento quando o músculo está cansado. Sentindo a dor da tensão, a pessoa para a atividade ou deixa de segurar o peso. Contudo, se não houver como remover o estresse, o músculo começará a ter espasmo. Um estresse emocional é igual a um físico; os músculos estão carregados com uma sensação que não conseguem liberar. Contraem-se para manter ou conter a sensação exatamente como fazem para segurar um peso, e se a sensação persistir por muito tempo, o músculo começará a ter espasmos porque não pode se livrar da tensão.
Qualquer emoção que não possa ser liberada é um estresse para os músculos. O que é verdade porque uma emoção é uma carga que faz pressão para fora tentando se liberar. Alguns exemplos podem ilustrar melhor esta ideia. Sentimentos de tristeza ou dor são liberados através do choro. Se esse choro for reprimido por causa da proibição dos pais ou por qualquer outra razão, os músculos, que normalmente reagem no choro, tornam-se tensos. São os músculos da boca, garganta, peito, abdômen. Se o sentimento que não pode ser liberado é o da raiva, os músculos das costas e dos ombros tornam-se tensos. Impulsos de morder, quando inibidos, trazem tensões nas mandíbulas assim como chutes reprimidos causam tensões nas pernas. A relação entre tensão muscular e inibição é tão exata que se pode dizer quais os impulsos ou sentimentos que estão sendo inibidos numa pessoa, estudando suas tensões musculares.
No que se refere ao músculo, há pouca diferença entre uma tensão externa ou interna. Ambas atingem a musculatura. As tensões físicas geralmente têm uma duração mais curta que as emocionais, que costumam persistir, tornando-se inconscientes.
Quando um músculo entra em espasmos, contrai-se e se mantém contraído até que o estresse seja removido. As tensões que surgem com as inibições são tensões crônicas que se desenvolvem lentamente, através de experiências repetidas, e tão traiçoeiramente, que a pessoa quase não tem consciência da tensão. Mesmo estando consciente da tensão, não sabe como liberá-la. É obrigada a viver com ela, e a única forma de viver com uma tensão é não prestar a menor atenção a ela.
O músculo relaxado é um músculo carregado de energia. É como um revólver carregado e pronto para disparar. O gatilho que descarrega o músculo é um impulso de seu nervo fautor. A descarga do músculo provoca uma contração que é traduzida em movimento. O músculo contraído não pode se mexer até estar carregado com energia. Essa energia é levada ao músculo em forma de oxigênio e açúcar. Sem o fornecimento de uma energia suplementar, é impossível liberar músculos contraídos. O fator importante nesse processo é o oxigênio, uma vez que sem oxigênio suficiente, o processo metabólico no músculo é interrompido. Esse fato assinala a importância da respiração no relaxamento e na liberação da repressão. Quando se consegue tornar mais profunda a respiração de um paciente, seus músculos tensos começam a vibrar espontaneamente à medida que vão sendo carregados com energia.
Em alguns pacientes, as vibrações podem surgir como movimentos expressivos espontâneos à medida que o próprio corpo libera seus impulsos reprimidos. Geralmente, os movimentos começam de forma consciente e os impulsos reprimidos são evocados quando os movimentos adquirem uma qualidade plena. Músculos tensos só podem ser liberados através de movimentos expressivos, isto é, movimentos nos quais a atividade expressa sentimentos reprimidos.
Lowen, Alexander. Prazer - uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus, 1984, Capítulo 2, págs. 50-52.
Depressão ou ansiedade?
Depressão vem sendo divulgada como a #doença mais incapacitante do século XXI, e isto colocado por instituições e profissionais que merecem todo o nosso respeito.
Porém, pelos anos de estudo do #trauma a que me dedico, e das doenças principiadas pelo estresse contínuo desde a gestação, e que vão se agravando durante as fases do desenvolvimento por constantes retraumatizações, minha tendência é discordar da análise desses pesquisadores.
Penso que a #ansiedade é quem inicia o processo, embora o faça de maneira lenta e silenciosa, porque um caráter levemente ansioso se tornou normal e é valorizado na sociedade apressada ocidental.
A #depressão decorre dela, quando todos os limites foram rompidos e não há mais como se controlar sozinhos a sobrecarga instalada sobre o sistema nervoso.
Infelizmente, o ritmo acelerado da vida e o #imediatismo cada vez mais presente fazem com que pessoas procurem por soluções milagrosas, por “pílulas mágicas” compradas na farmácia mais próxima (e existem muitas) que encerrem seu sofrimento. E isso é fruto da ansiedade.
O aumento nos casos de #suicídios como ato extremo para pôr fim ao sofrimento insuportável se mostra como outro sintoma social. Campanhas como o setembro amarelo buscam conscientizar a população para os indícios de que esse risco pode existir e se concretizar, caso não seja observado e atendido a tempo.
Defendo a hipótese de a ansiedade vir em primeiro lugar, porque a ativação constante do Sistema Nervoso Autônomo (SNA) pelo seu ramo simpático, por vezes inviabiliza o equilíbrio que seria função do ramo parassimpático, e isso ocasiona o processo ansiogênico e também o traumático. Isto é parte da #fisiologia, não levada em conta por grande parte dos facultativos procurados por quem sofre e busca algum alívio.
O estresse pós-traumático é configurado por uma sintomatologia ampla e complexa, levando a inúmeros diagnósticos equivocados.
Como as reações mais comuns são o #retraimento social e afetivo, a #insônia e uma angústia aguda, muitos profissionais da saúde, incluindo psicólogos, tratam o caso como se fosse depressão (onde também aparece um quadro ansioso), o que tende a mascarar e cronificar os sintomas, podendo ainda causar dependência farmacológica com amplos efeitos colaterais indesejáveis.
E isso não é culpa exclusiva desses profissionais, que abordam o indivíduo em função de especialidades e que, em certos casos precisa ser encaminhado para outros especialistas. Eles foram ensinados desde cedo pelas instituições de que é assim.
Porém, estresse pós-traumático não é depressão, e sim sua causa e precisa de um tratamento bem específico, muitas vezes com apoio de antidepressivos e ansiolíticos para estabilizar o quadro, mas não apenas com eles.
O estudo ACE Family (Experiências Adversas na Infância) produzido em meados dos anos 90 nos EUA, mostrou que a exposição precoce ao trauma produz alterações permanentes no desenvolvimento do #cérebro, afeta o sistema imunológico e até a forma como o DNA é replicado.
Ou seja, a maioria das doenças realmente incapacitantes, além daquelas que provocam o maior número de mortes atualmente, são provocados por negligência, abandono e maus-tratos na infância, que acabam por modelar o organismo para sofrer pelo resto da vida.
As causas desses males são tratáveis clinicamente, por terapias contemporâneas baseadas na fisiologia do sistema nervoso, sem a necessidade de fármacos, a não ser, como colocamos acima, nos casos em que o quadro necessite estabilização. A questão é que esses tratamentos rápidos e altamente eficazes são ainda muito recentes (menos de 40 anos) e continuam desconhecidos nos meios acadêmicos, e portanto, não são transmitidos aos estudantes que irão se deparar com os clientes debilitados em seus consultórios.
Estudos de algum tempo demonstram que apenas 30% dos leitos hospitalares são ocupados por causa física. O outros 70% são de quadros iniciados por questões nervosas, e que foram se agravando até aparecerem no corpo como doenças psicossomáticas.
Quanto mais precoce isso for tratado, menores serão as consequências, e as crianças mostram cada vez mais que precisam de ajuda, principalmente nos comportamentos disfuncionais e agressivos.
As escolas se mantêm despreparadas para lidar com a questão e, não raro rotulam a criança como “problema” e encaminham para #neurologistas e #psiquiatras. E dessa forma a sociedade permanece doente emocionalmente, até que alguém coloque sobre elas um olhar diferenciado, resgatando a #autoestima comprometida nos cuidados parentais.
O caminho para a cura passa pelo resgate da percepção corporal perdida por tantos confortos e modernidades, e pelo desenvolvimento da resiliência no sistema nervoso, só alcançadas pelas psicoterapias mais recentes já citadas.
Como a desregulação somática nos afeta
“A maioria das pessoas experiencia sintomas* como aumento dos batimentos cardíacos, respiração acelerada, #agitação, dificuldade para dormir, tensão, tremores musculares, agitação mental, ou talvez um ataque de #ansiedade em momentos de #conflito ou de #estresse. Esses sinais normalmente são causados por alguma forma de hiperativação, embora isso nem sempre seja indicativo de sintomas traumáticos. Se a hiperativação, a constrição, a #dissociação e um senso de #impotência formam o núcleo da #reação traumática, então a hiperativação é a semente desse núcleo”.Peter A. Levine em O Despertar do Tigre, p. 120
As imagens acima mostram o “antes-e-o-depois” de um tratamento somático, no caso o EMDR. Percebe-se a hiperativação de várias regiões cerebrais por alguma angústia do paciente que fez o exame. Na segunda imagem, após o tratamento (e não uma única sessão), a restauração do equilíbrio emocional.
As neuroterapias (psicoterapias que engajam o cérebro e sistema nervoso autônomo) são capazes desse resultado. Levine, cujo texto consta acima, desenvolveu o SE (Somatic Experiencing) que reativa a sensopercepção, habilidade inata em todos os seres, mas que vamos perdendo por falta de uso diante das facilidades da vida moderna.
O Brainspotting consegue aprofundar o trabalho ao ponto de abreviar muito o tempo de tratamento.
A inibição da criatividade
A COMPOR
O sintoma e sua função - pela Dra. Suzette D’Amico
Olá, eu sou o seu sintoma
Tenho muitos nomes: dor de joelho, abscesso, dor de estômago, reumatismo, asma, mucosidade, gripe, dor nas costas, ciática, câncer, depressão, enxaqueca, tosse, dor de garganta, insuficiência renal, diabetes, hemorroidas e a lista continua. Ofereci-me como voluntário para o pior trabalho: ser o portador de notícias pouco agradáveis para você.
Você não entende, ninguém me compreende. Você acha que eu quero lhe incomodar, estragar os seus planos de vida, todo mundo pensa que desejo atrapalhar, fazer o mal, limitar vocês. E não é assim, isso seria um absurdo. Eu o sintoma, simplesmente estou tentando lhe falar numa linguagem que você entenda.
Vamos ver, me diga alguma coisa. Você negociaria com terroristas, batendo na porta com uma flor na mão e vestindo uma camiseta com o símbolo da “paz” impresso nas costas? Não, certo?
Então, por que você não entende que eu, o sintoma não posso ser “sutil” e “levinho” quando preciso lhe passar uma mensagem. Me bate, me odeia, reclama de mim para todas as pessoas, reclama de minha presença no seu corpo, mas não para um minuto para pensar e raciocinar e tentar compreender o motivo de minha presença no seu corpo.
Apenas escuto você dizer: “Cala-te”, “vá embora”, “te odeio”, “maldita a hora que apareceste”, e muitas frases que me tornam impotente para lhe fazer entender, mas devo me manter firme e constante, porque devo lhe fazer entender a mensagem.
O que você faz? Manda-me dormir com remédios. Manda-me calar com sedativos, me suplica para desaparecer com anti-inflamatórios, quer me apagar com quimioterapia. Tenta dia após dia, me calar. E me surpreendo de ver que às vezes, até prefere consultar bruxas e adivinhos para de forma “mágica” me fazer sumir do seu corpo.
A minha única intenção é lhe passar uma mensagem, mesmo assim, você me ignora totalmente.
Imagine que sou a sirene do Titanic, aquela que tenta de mil maneiras avisar que tem um iceberg na frente e você vai bater com ele e afundar. Toco e toco durante horas, semanas, meses, durante anos, tentando salvar sua vida, e você reclama que não deixo você dormir, que não deixo você caminhar, que não deixo você trabalhar, ainda assim continua sem me ouvir…
Estás compreendendo?
Para você, eu o sintoma, sou “A doença”. Que absurdo! Não confunda as coisas. Aí você vai ao médico e paga por tantas consultas. Gasta um dinheiro que não tem em medicamentos e só para me calar. Eu não sou a doença, sou o sintoma.
Por que me cala, quando sou o único alarme que está tentando lhe salvar?
A doença “é você”, é “o seu estilo de vida”, são “as suas emoções contidas”, isso que é a doença e nenhum médico aqui no planeta terra sabe como as combater, a única coisa que eles fazem é me atacar, ou seja, combater o sintoma, me calar, me silenciar, me fazer desaparecer. Tornar-me invisível para você não me enxergar.
É bom se você se sentir incomodado por estar lendo isso, deve ser algo assim como um “golpe na sua inteligência”. Está certo se estiver se sentindo frustrado, mas eu posso conduzir o teu processo muito bem e o entendo. De fato, isso faz parte do meu trabalho, não precisa se preocupar. A boa notícia é que depende de você não precisar mais de mim, depende totalmente de você analisar o que tento lhe dizer, o que tento prevenir.
Quando eu, “o sintoma” apareço na sua vida, não é para lhe cumprimentar, é para lhe avisar que uma emoção contida no seu corpo, deve ser analisada e resolvida para não ficar doente. Deveria se perguntar a si mesmo: “por que apareceu esse sintoma na minha vida”, “que pretende me alertar”? Por que está aparecendo esse sintoma agora?
Que devo mudar em mim? Se você deixar essas perguntas apenas para sua mente, as respostas não vão levar você além do que já vem acontecendo há anos. Deve perguntar também ao seu inconsciente, ao seu coração, às suas emoções.
Por favor, quando eu aparecer no seu corpo, antes de procurar um médico para me adormecer, analise o que tento lhe dizer, verdadeiramente, por uma vez na vida, gostaria que o meu excelente trabalho fosse reconhecido e, quanto mais rápido tomar consciência do porquê do aparecimento no seu corpo, mais rápido irei embora.
Aos poucos descobrirá que quanto melhor analisar, menos lhe visitarei. Garanto a você que chegará o dia que não me verá nem me sentirá mais. Conforme atingir esse equilíbrio e perfeição como “analisador” de sua vida, de suas emoções, de suas reações, de sua coerência, não precisará mais consultar um médico ou comprar remédios.
Por favor, me deixe sem trabalho. Ou você acha que eu gosto do que eu faço? Convido você para refletir sobre o motivo de minha visita, cada vez que eu apareça. Deixe de me mostrar para os seus amigos e sua família como se eu fosse um troféu.
Estou farto que você diga: “Então, continuo com diabetes, sou diabético”. “Não suporto mais a dor no joelho, não consigo caminhar”. “Aqui estou eu, sempre com enxaqueca”. Você acha que eu sou um tesouro do qual não pretende se desapegar jamais.
Meu trabalho é vergonhoso e você deveria sentir vergonha de tanto me elogiar na frente dos outros. Toda vez que isso acontece você na verdade, está dizendo: “Olhem que fraco sou, não consigo analisar, nem compreender o meu próprio corpo, as minhas emoções, não vivo coerentemente, reparem, reparem! ”
Por favor, tome consciência, reflita e aja. Quanto antes o fizer, mais cedo partirei de sua vida!
Atenciosamente,
O sintoma.
Animais e o Estresse
Essa é uma pergunta interessante, para a qual existem duas respostas:
- Na convivência com seres humanos, sim;
- No ambiente natural, não;
Vamos explicar melhor: os humanos em grande maioria, não lidam bem com suas carências e passam seus sentimentos e projeções de necessidade afetiva aos animais de estimação. Claro que existem pessoas que sabem a diferença e tratam seus animais como companheiros apenas, com dignidade e sem coloca-los a seu serviço.
Quando transferimos à pequenos mascotes funções que não lhes pertencem naturalmente, como as de nos suprir do afeto que não recebemos na infância, acaba-se por neurotizar os bichos, que adotarão comportamentos e humores muito semelhantes aos de seus donos.
Precisamos lembrar que não existe escolha para eles. A simples palavra “dono” já leva à reflexão sobre subjugação e privação da liberdade. Tornam-se dependentes de um ser humano para o atendimento de suas necessidades básicas, sem qualquer autonomia. A privação da liberdade e a condução à comportamentos forçados, onde podem se incluir punições “por mau comportamento” levam aos traumas. E é isso o que acontece nos seres humanos, como veremos mais à frente.
E qual seria o motivo para a não incidência de trauma no ambiente natural?
A imagem que usamos para este texto é significativa: alguns Impalas sendo perseguidos por um Guepardo na savana africana.
Os Impalas, espécie de antílopes, são mamíferos como nós e, utilizam de todos os recursos orgânicos disponíveis para sobreviver frente a predadores. E que recursos são esses? Os impulsos instintivos controlados pelo sistema nervoso autônomo: luta, fuga ou imobilidade (congelamento).
Não é algo deliberado. Não escolhem essas reações, mas elas se configuram de acordo com o risco de vida envolvido. Quando nosso oponente é mais fraco fica fácil lutar, pois as chances de afugentá-lo são grandes. Quando a relação é inversa, a vida é assegurada pela fuga. Esses dois comportamentos, na verdade não são mamíferos, mais muito mais antigos, herdados dos répteis que nos antecederam evolutivamente.
A novidade surgida nos mamíferos é a imobilidade, que acontece como recurso extremo, a última chance de sobrevivência. O sistema nervoso colapsa e o organismo aparenta estar morto. É isso que o Impala faz instintivamente se o Guepardo chegar muito próximo a tocá-lo. Os povos antigos chamavam isso de “entregar a alma”.
A finalidade é sofrer menos, anestesiando os golpes que poderão estraçalhar o corpo. Mas também é a chance derradeira que o predador, neste caso um felino carnívoro, se desinteresse e abandone a caça por outra que lhe ofereça resistência.
O Impala não está morto, está apenas em estado de imobilidade ou congelamento. Tão logo o perigo passe, seu sistema nervoso o despertará e ele empreenderá a fuga antes que o guepardo se aperceba e se recupere do esforço desgastante da caçada. Ao sentir-se seguro, seu corpo tremerá e descarregará os efeitos da imobilização involuntária, e mais um dia na vida desse Impala terá acontecido sem desenvolver trauma.
Há um vídeo na internet que mostra a cena, usada em treinamentos de Experiência Somática, até porque esse evento é narrado por Peter Levine em seu livro “O Despertar do Tigre”.
Nós humanos temos as mesmas capacidades e recursos, pois pertencemos à classe mamífera. E porque o trauma nos atinge em larga escala? Primeiro porque passamos boa parte da vida dependentes de cuidados, muitas vezes disfuncionais; segundo porque não conseguimos descarregar as energias presas em nosso sistema nervoso por estarmos presos a um contexto social. Isso não acontecia antes da civilização e criação de costumes e tradições que nos mantêm presos.
Se for mantida a imobilização originada pelas marcas traumáticas, transformamo-nos em zumbis, em pessoas longe de sua natureza, presas a situações do passado e sem escolha para restabelecer a saúde psicológica. E na sequência virão as doenças psicossomáticas, ou seja, as que se originam na mente, pelo terror que guardamos, maior incidência de hospitalização, segundo estatísticas, cerca de 70% na ocupação de leitos em clínicas e hospitais.
Hoje, com as psicoterapias que reprocessam no sistema nervoso as memórias desses traumas, é possível sair da imobilidade e reassumir o gosto de viver plenamente.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
TEPT é a sigla em português para Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Trata-se de uma sequela do evento traumatizante que pode ser sentida por inúmeros sintomas.
O retorno dos veteranos norte-americanos do Vietnã em 1975, foi vivamente marcado por esse transtorno. Cabe ressaltar que Transtorno é o termo utilizado por manuais de saúde mental como o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), editado pela Associação de Psiquiatria Americana e seguido por psicólogos e psiquiatras.
Dentre os sintomas, estavam presentes a hipervigilância, pesadelos ou lembranças repentinas (flashbacks), fuga de situações que relembrassem o trauma, reações exageradas a estímulos, ansiedade e humor deprimido. Não é difícil imaginar as privações que os soldados passaram naqueles anos, buscando defender a si e a seus companheiros por ordem de seus governos, e sem a certeza de regressarem vivos às suas famílias e às rotinas que tinham antes.
Bem, os sobreviventes não tiveram a vida normal que esperavam por estarem profundamente afetados emocionalmente.
12 anos após o fim da guerra, o EMDR surge nos EUA e, em seu início foi utilizado com muito sucesso no tratamento desses veteranos, reduzindo ou extinguindo os sintomas, o que lhes restituiu a paz e a sanidade perdidas nos campos de batalha. Isso mostrou à comunidade científica que as terapias de reprocessamento tinham efetividade e poderiam ser uma alternativa interessante aos efeitos colaterais causados por medicamentos, além de funcionar em tempo muito reduzido quando comparado aos Psicofármacos.
Mas não somente guerras produzem efeitos devastadores no psiquismo humano. Catástrofes naturais, tumultos, confinamento em desabamentos, acidentes, sequestros ou qualquer evento que ponha a vida em risco são traumatizantes e podem levar ao TEPT.
Nessa situação as pessoas podem desenvolver:
- Ataques de pânico, culpa, descontentamento geral, desesperança, nervosismo, perda de interesse, perda de interesse ou prazer nas atividades, raiva, solidão ou sofrimento emocional;
- Agitação, agressão, automutilação, comportamento autodestrutivo, gritos, hipervigilância, hostilidade, irritabilidade ou isolamento social;
- Alucinações, ansiedade severa, depressão, flashback, medo ou desconfiança;
- Insônia, pesadelos, privação de sono ou terror noturno;
- Estresse agudo ou perda de consciência;
- Pensamentos indesejados ou ideações suicidas:
- Também é comum: desapego emocional, dor de cabeça ou falta de resposta emocional;
Nem todos os presentes ao evento se traumatizam, mas principalmente aqueles que ficam paralisados diante de qualquer possibilidade de sobrevivência. O TEPT, apesar de ser uma reação orgânica normal a fatores ambientais fora do normal, pode ser tratado com alto índice de êxito através das psicoterapias de reprocessamento ou com foco no sistema nervoso.
Dissociação e fragmentação do ego
Dissociar-se significa separar-se. Para o estudo clínico, a dissociação tem um sentido mais amplo e diz respeito à não participação da consciência em algo que a sobrecarrega.
Isso acontece em diversos graus. No mais leve, quando algo não nos interessa numa palestra ou conversa, deixarmos os pensamentos nos levarem para outra direção, porque aqueles conteúdos são desagradáveis ou maçantes demais para prestarmos atenção. Num nível mais profundo, a pessoa mergulha num caos interno, do qual tem dificuldade em sair.
Quando se passa por uma experiência dramática e forte demais para ser integrada, o sistema nervoso dissocia essa experiência da consciência e cria uma barreira para separar esses conteúdos e preservar a saúde emocional. Ao se falar da experiência é como se tivesse acontecido com outra pessoa. Apenas quando se suspeita que algo parecido pode se repetir é que a inquietação toma conta, até que o risco passe. E assim continua-se “vivendo”, como se não tivesse acontecido conosco e não afetasse nossa vida.
Essa barreira dissociativa, embora nos preserve do sofrimento, cria dificuldades para que percebamos que fomos traumatizados, e para que nos envolvamos com os sintomas que desenvolvemos e os tratemos.
Num trabalho de dessensibilização e reprocessamento emocional ela tende a se dissolver, quando o cérebro percebe que finalmente terá a oportunidade de se liberar de tantas vivências negativas que o sobrecarregam.
Frequentemente outro fenômeno acontece paralelamente a um trauma severo: a fragmentação do ego. O Dr. Richard Schwartz de Illinois, EUA, iniciou um estudo na década de 1.980 com 30 mulheres bulímicas, esperando poder ajuda-las com a terapia do Sistema de Família Interna e, se deparou com partes fragmentadas de suas personalidades, que ao se sentirem desvalorizadas, as compelia a comportamentos disfuncionais, incluindo automutilação como forma de dissociá-las de seus corpos.
A teoria da Família Interna não foi criada por Schwartz. Ele usou o modelo sugerido por Salvador Minuchin e conseguiu, com compaixão e interesse, tratar seus pacientes e devolver-lhes a integridade do Ego e do autoconceito.
Poderemos entender mais facilmente o que acontece internamente usando uma imagem em que a consciência é um palco onde o ator principal deveria ser o Self, mas que a cada momento, dependendo do que acontece externamente, uma parte da fragmentação se manifesta, inunda a consciência e a toma para si. A partir daí o dono daquele corpo pouco pode fazer para retomar o controle até que essa parte se acalme e volte para os bastidores da mente, enquanto outra parte poderá assumir seu lugar. Essas partes se relacionam com as idades das traumatizações e, em geral estão profundamente feridas ou raivosas.
O profundo sofrimento desse estado necessita de um trabalho de reorganização e integração dessas partes, o que devolverá a saúde, o equilíbrio e o poder de escolhas a quem antes não via saída possível.
Sintomas Traumáticos e Negação
Durante a vida ninguém está livre de passar por eventos difíceis, que afetam a capacidade do sistema nervoso em manter a autoregulação, tão importante ao bem-estar do ser humano.
Situações assim se constelam em diferentes idades, desde o período gestacional até o fim da existência, não há como prever. No entanto, quando se passa por evento traumático, as reações decorrentes fazem parte de um sistema defensivo do organismo frente aos desconfortos produzidos por algo anormal e fora de toda previsibilidade.
Quando a origem está na primeira infância, se denomina TRAUMA DE DESENVOLVIMENTO, e é a variedade mais comum, diante das condições adversas que uma criança pequena tem de enfrentar, quando se percebe desprotegida, abandonada ou invadida em seus limites físicos ou morais. Os danos produzidos por pais ou cuidadores inexperientes ou disfuncionais afetam toda a história daquele serzinho que procura segurança e acolhimento para se desenvolver.
Levine, no livro “O Despertar do Tigre”, que introduz a abordagem SE® (Experiência Somática) compara o efeito de um mesmo evento sobre diversas idades: “ser deixado sozinho numa sala fria pode ser totalmente avassalador para um bebê, assustador para uma criança pequena, perturbador para uma criança de 10 anos e, apenas desconfortável para um adolescente ou um adulto”.
Isso porque a habilidade em lidar com situações adversas cresce com a idade e, portanto, crianças pequenas têm vulnerabilidade extrema à traumatização. Por isso, as reações traumáticas frequentemente provêm da primeira infância.
No TRAUMA DE CHOQUE, que pode acontecer em qualquer idade, o incidente causador se torna conhecido, pois surge após acidentes, convulsões sociais, cataclismos e cirurgias, entre outros. Dessa forma, o tratamento pode ser mais focal e breve do que no trauma de desenvolvimento, porque este último normalmente envolve várias camadas de retraumatização durante a vida.
As cirurgias são normalmente encaradas com certa aceitação pela sociedade, como algo que pode afetar qualquer pessoa e, após realizada trará a cura ou alívio significativo dos sintomas.
Porém, os efeitos fisiológicos no corpo, advindos da anestesia, cortes e imobilizações são duradouros e graves pela percepção somática do sistema nervoso, levando com frequência à Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos (TEPT), o qual será abordado em outra matéria.
Como se reconhece estar portando marcas traumáticas resultantes dos fatos acima?
Hipersensibilidade – extremamente comum, porém em alguns casos ocorre justamente o contrário: a tolerância à dor aumenta pela dissociação dos processos inconscientes e somáticos;
Hipervigilância – quem passa por um risco de sobreviver não quer que isso se repita. Daí seu sistema ficar alerta à espera de qualquer fato ameaçador;
Irritabilidade ou reações automáticas a situações recorrentes – como o trauma provoca estouro nas fronteiras do indivíduo, a necessidade de autoproteção aumenta e, junto com ela as reações nervosas;
Explosões de fúria/choro fácil – são motivados pelos sintomas anteriores;
Dificuldades de concentração – fica fácil entender como um cérebro desregulado pelo trauma tem dificuldade em se concentrar, o que presumiria estar relaxado;
Dificuldade em se relacionar/isolamento – O ambiente externo não representa a segurança necessária. Então o melhor é se isolar e proteger;
Lembranças involuntárias e perturbadoras – também conhecidas como Flashbacks, são pedaços do evento presos no sistema nervoso, que procuram resolução para serem descarregados. Para o cérebro, que não conseguiu processar tudo o que aconteceu, essas lembranças ficam deslocadas de seu lugar no tempo, permanecendo como presente;
Pesadelos, dificuldade em dormir ou despertares noturnos – denotam situações de desassossego mental provocadas pelo medo da recorrência e ausência de paz interior;
Tensões no corpo – causa comum da Fibromialgia e de tratamentos ortopédicos e fisioterapêuticos sem causa aparente;
Sensação de incapacidade diante da vida ou em situações de exposição – causa comum da introversão e timidez, dificuldade em falar publicamente por se sentir menos que os demais, e do receio de comparações ou discriminação;
Dependência química – recurso de fuga de uma realidade insuportável;
Libido exacerbada ou compulsividade sexual – tem causa na busca por intimidade, acolhimento e segurança não percebidas na infância precoce;
Disfunções sexuais – advêm da dificuldade em se entregar num relacionamento íntimo após se ter sido abusado ou ridicularizado anteriormente. Provém igualmente da Ansiedade de Desempenho que traz a sensação de incapacidade perante a performance requerida;
Ansiedade e Depressão – são causadas comumente pela desregulação cortical com origem traumática;
Como se percebe facilmente, são situações comuns em que as pessoas estão imersas sem saber a causa, que pode ser um Trauma do Desenvolvimento.
É extremamente comum, e talvez a primeira reação automática frente aos sintomas, o não reconhecimento de que se estourou os limites saudáveis. Isso é chamado de negação, quando não se admite estar precisando de cuidados clínicos, farmacológicos ou não.
Como o trabalho com o trauma pressupõe a volta à vida, que deixou de existir com plenitude em algum momento, a ajuda de amigos e família com compreensão de seus papéis, é fundamental.
Vida em fogo brando
Em passado evolutivo remoto, nossos ancestrais eram faziam parte da cadeia alimentar dos predadores famintos. Quando ele saía de seu abrigo para buscar alimento, não tinha nenhuma garantia que sobreviveria àquele dia, pois quase tudo no ambiente representava certa dose de risco.
Assim, órgãos dos sentidos como audição e olfato se aguçaram para sua própria proteção.
Naquelas eras longínquas, a ativação simpática era conveniente e imprescindível para manter-se alerta, e o custo-benefício compensava no longo prazo pois, raramente o homem primitivo alcançava os 40 anos.
Ocorre que, junto com o simpático três glândulas que geram estresse no corpo se ativam: Hipotálamo, Pituitária e Adrenal.
Inflamar-se por uma boa causa - como ficar entusiasmado ou exaltado, lidar com emergências ou ser contundente por algum motivo – sem dúvida, faz parte da vida.
Mas quando a irritação e o desassossego viram rotina, são uma péssima razão para estimular o eixo SNS/HPA (Sistema Nervoso Simpático / Hipotálamo-Pituitária-Adrenal), que geram estresse até a zona de perigo.
Vivemos numa sociedade “pé-na-tábua”, baseada na ativação ininterrupta dos SNS/HPA, o que não é natural no nosso padrão evolutivo.
Assim, a maioria de nós vive sob esse estímulo constante do SNS/HPA. Mesmo que a água não esteja borbulhando, fica cozinhando lentamente e nos causando sérios prejuízos à saúde com consequências permanentes.
Hoje em dia, quando desejamos viver mais e melhor, os danos acumulados por uma vida agitada demais não compensam e causam consequências físicas em nossos sistemas, como:
Gastrointestinais: gastrite, úlcera, síndrome do intestino irritável, diarreia, prisão de ventre;
Imunológicos: gripes e resfriados frequentes, cicatrização lenta, vulnerabilidade a infecções graves.
Endócrinos: diabetes tipo 2, síndrome pré-menstrual, disfunção erétil e diminuição da libido.
Cardiovasculares: endurecimento das artérias e infartos.
Entendendo-se que, apesar de nosso cérebro e sistema nervoso manterem heranças do passado em sua constituição que tinham por finalidade lá atrás nos manter seguros, hoje os riscos a que se reage são, em sua maioria imaginários, originados por nossos estados emocionais alterados, porém promovem a mesma alteração hormonal que nos prepara para enfrentar um perigo real.
Com isso entramos em zona de perigo pelo estresse, que só nos enfraquece e tira o poder de escolha.
Regulação X Desregulação
O objetivo básico de qualquer psicoterapia deve ser o de levar o cérebro, de um estado de desregulação para outro, de regulação cortical.
O cérebro profundo controla todas as funções corporais, e é o sítio do instinto, do pensamento e da criatividade. O tronco cerebral é a verdadeira conexão mente/corpo. Tudo o que passa do corpo para o cérebro, e vice-versa, atravessa esse portal. Nele, segundo Damásio, está a sede do Self.
Para nosso estudo, o tronco assume vital importância devido à regulação que ele promove através do sistema nervoso autônomo.
Vamos ver isso mais de perto.
A partir do sistema nervoso central (SNC), constituído pelo encéfalo e medula espinhal, os neurônios se prolongam por todo o corpo para transmitir/receber os impulsos que são ordenados/interpretados pelo cérebro. A esse prolongamento chama-se sistema nervoso periférico (SNP) que, através de nervos e gânglios nervosos controla o sistema nervoso esquelético (movimentos voluntários pela musculatura estriada) e o sistema nervoso autônomo (SNA) (movimentos involuntários pela musculatura lisa - visceral).
Como o funcionamento emocional ótimo é diretamente proporcional à regulação do SNA, é importante entender que dele emanam as funções simpática e parassimpática.
De uma forma simples, a função simpática ativa o sistema nervoso para responder a algum evento. A parassimpática modula a ativação “freando o sistema” e mantendo o equilíbrio. Uma das características do trauma é ambas as funções travarem sem conseguir retomar mais a autoregulação. Nesses casos, ou a pessoa vai agravar progressivamente seu estado, com o comprometimento da saúde pela somatização dos sintomas psicológicos, ou vai descarregar a sobrecarga através de uma psicoterapia somática. Isso veremos mais adiante.
Alguns atributos de cada função:
Simpático
- Dilata as pupilas
- Inibe a salivação
- Relaxa os brônquios
- Acelera os batimentos cardíacos (taquicardia)
- Inibe a atividade no estomago e pâncreas
- Estimula a liberação de glicose pelo fígado
- Estimula a produção de adrenalina e noradrenalina
- Relaxa a bexiga
- Promove a ejaculação
Parassimpático
- Contrai a pupila
- Estimula a salivação
- Reduz os batimentos cardíacos
- Contrai os brônquios
- Estimula a atividade do estomago e pâncreas
- Estimula a vesícula biliar
- Contrai a bexiga
- Promove a ereção
Como se pode perceber, o simpático nos prepara para lutar ou fugir diante de um risco iminente e o parassimpático nos relaxa e tranquiliza. A ativação simpática constante leva à Ansiedade, principalmente quando não existe risco real.
O sistema nervoso autônomo oscila entre a ativação simpática e a parassimpática. O ideal para nossa saúde seria nos mantermos no parassimpático pela maior parte do tempo - relaxados e calmos, porém atentos - e só ativarmos o simpático em situações necessárias, retornando logo à tranquilidade.
Quando há desregulação no sistema, a ativação simpática pode subir além do limite saudável, produzindo picos de Ansiedade, Medo exagerado e até crises de Pânico. A ativação parassimpática, quando demasiada, produz Anedonia e Depressão.
Ambos os estados devem ser evitados, mas para isso temos de buscar a regulação.
Há diversas formas práticas a que todos temos acesso: manter e estar com laços afetivos, praticar atividades físicas, meditação, Yoga, Tai-chi ou reservar parte de nosso tempo para fazer coisas que proporcionam prazer e aliviam o estresse.
Portanto é importantíssimo tratar nossos desequilíbrios emocionais para restaurar a regulação do sistema nervoso e restabelecer/manter a saúde fisiológica e psicológica.
O cérebro inconsciente - por David Grand, Ph.D.
O cérebro é um supercomputador, com um quatrilhão (um milhão de bilhões) de conexões, responsável pelo monitoramento e ajustamento contínuo de todo nosso funcionamento corporal e mental.
Assim sendo, nossa percepção consciente de todo nosso vasto espaço interno é tão limitada quanto quando olhamos para o céu coberto de estrelas à noite, e vemos uma partícula do vasto universo.
No entanto, esse supercomputador está constantemente nos fornecendo informação sob a forma de sensações corporais, emoções, insights, pensamentos, ações e reações reflexas.
Essa informação é sempre perfeita em termos de conteúdo, grau e timing - exatamente do que precisamos, e no momento exato.
O problema é que, quando nossa minúscula mente consciente tem um vislumbre dos processos mentais das vastas profundezas de nossa mente inconsciente e não entende a comunicação que recebe de nosso cérebro mais profundo, frequentemente nos sentimos confusos, perdidos, perplexos, bloqueados ou ameaçados. As regiões mais profundas de nosso cérebro/corpo inconsciente são desprovidas de cognição, linguagem e experiência. Na realidade, a informação é tudo menos confusa ou bloqueada, exceto na percepção equivocada de nossa mente consciente. Na verdade, as respostas estão embutidas na confusão e no bloqueio percebidos equivocadamente. Eles são processos instintivos de saber, ser, reagir; mecanismos de sobrevivência, reflexos, consciência e processos corporais - literalmente o lugar onde vivemos e respiramos.
Além disso, parte dessa informação é desconfortável e francamente dolorosa, o que nos leva a tentar evitá-la, negando-a, ignorando-a ou suprimindo-a. Isso compromete nosso processo natural de liberação momento-a-momento, e, assim, resulta em confusão, sintomas e comportamento mal adaptativo. A solução, é bem simples: "observar, com consciência atenta e curiosidade, se dar tempo e espaço, e ver o que acontece". Reagir (baixando informação) é nossa forma natural de vivenciar, processar e liberar experiências. Tendemos a vivenciar nossas reações como um problema, mas, na realidade, o problema é nossa reação a essas reações.
Esse fenômeno inibe nosso processamento e liberação de nossas reações, principalmente no nível somático. Reagir às nossas reações resulta em ficarmos presos, entrarmos numa espiral negativa de percepções equivocadas - não é natural. É a diferença entre o rastrear (acompanhar) e distrair (e confundir).
Tendemos a pressupor que todas as memórias chegam à consciência. A maioria não chega, se evaporando como meteoros que se consomem em fogo na atmosfera terrestre antes de chegarem perto da superfície. Assim sendo, nossa mente consciente contém apenas uma fração minúscula de nossa consciência.
O Cérebro Trino
O ser humano, apesar de sua posição de destaque entre as criaturas deste planeta, não apareceu isoladamente. Ele é fruto da evolução de outras espécies cujo elo a ciência ainda não desvendou.
Como comentamos no primeiro artigo, o sistema nervoso apareceu nos vermes entre 550 e 600 milhões de anos atrás. Era rudimentar e apenas adequado àquelas formas de vida. Quando apareceram os repteis, anfíbios que frequentavam os ambientes aquático e terra firme tivemos enorme desenvolvimento.
Posteriormente vieram aves e mamíferos e, com estes mais um degrau importante. Por fim, os antropoides trouxeram a última etapa filogenética.
Falando mais claramente, nosso cérebro atual conserva partes de toda essa evolução: Um embrião humano, antes de se tornar feto e parecer com gente, toma a conformação de seus ancestrais primitivos. Conceitualmente nosso cérebro (ou telencéfalo) é trino:
O primeiro núcleo que se desenvolve é o tronco encefálico, também chamado de reptiliano por ser extremamente rápido na tomada de decisões que nos preservem a vida. É ele quem nos desvia de uma agressão sem que tenhamos de pensar. Está ligado à sobrevivência, no topo da medula espinhal e conectado a todo o sistema nervoso – central e periférico – é puramente somático e instintivo. Partem dele comandos involuntários como funcionamento das vísceras, batimentos cardíacos, pressão arterial e respiração. Segundo o fisiologista Antonio Damásio, é a sede do Self.
Controla duas funções importantíssimas que regulam o sistema nervoso autônomo – a simpática e a parassimpática – que serão tratadas em outro post.
A segunda camada, oriunda de nossa classe mamífera é chamada de sistema límbico ou cérebro mamífero / emocional e, forma-se em torno do tronco encefálico. Ali temos o reconhecimento do que nos é nocivo ou agradável, a partir da impressão dos sentidos comparada com memórias anteriores e que, em caso de risco iminente dispara um sistema de alarme que determina a secreção de hormônios na corrente sanguínea, nos preparando para a ação (luta ou fuga). Ele é mais lento que o reptiliano, porém ainda muito rápido comparado ao cortical.
Por fim, com os antropoides, desenvolvemos a terceira camada, o neocórtex, tecido corrugado que envolve os núcleos anteriores em volta do neuroeixo. No ser humano há uma camada cortical adicional que nos diferencia dos animais, permitindo funções refinadas como linguagem, planejamento, raciocínio lógico, cálculo, cultura, etc.
O sistema nervoso tem ainda uma parte importante nos intestinos, o s.n. entérico onde é fabricada a maior parte da serotonina disponível. Ele reage prontamente quando ingerimos algo venenoso ou nos dói quando temos medo.
O cérebro como um todo só encerra seu desenvolvimento ao redor dos 24 anos de idade, e está longe de ser totalmente conhecido. A cada dia novos estudos são publicados com descobertas surpreendentes. É o grande desafio e atual fronteira do conhecimento para os neurocientistas.
De agora em diante postaremos novos artigos duas vezes na semana: nas quartas e aos domingos.
Do que se trata
Um evento traumático pode ser entendido como uma ruptura na homeostase do sistema nervoso. Semelhante à uma explosão que repentinamente rompesse uma das margens de um rio, fazendo surgir um canal por onde a água começasse a ser escoada, com natural perda da força no leito natural. Uma divisão energética para o rio. Após a explosão, se o novo canal continuar a se abrir, o rio não será mais o mesmo, perdendo cada vez mais seu fluxo natural.
No ser humano, esse choque produz um vórtice poderoso capaz de sorver os recursos do sistema nervoso, dificultando ou inviabilizando por paralisia o fluxo de uma vida plena. Também exerce contínua sedução que faz com que a pessoa se mantenha dentro dele, sem forças para escapar. O ser humano atingido pelo trauma que ficou preso em seu sistema nervoso, já não será mais tão espontâneo e alegre como antes.
Não se tem notícias de como o trauma acontece fisiologicamente. O que se percebe são as marcas impressas no sistema nervoso que ele deixa, e o sintomas que passam a se estabelecer desde então.
Há dois modelos principais para a compreensão do fenômeno: o TRAUMA DO DESENVOLVIMENTO e o TRAUMA DE CHOQUE.
O primeiro, mais profundo e que transtorna o indivíduo de tal maneira, que lhe priva a liberdade de escolha de ser quem deveria ou gostaria. Torna-se refém dos sintomas que o subjugam. Sua origem é na primeira infância, podendo ocorrer durante a gestação (trauma intrauterino), durante o nascimento ou até os 3 anos de idade.
É a fase em que o ser humano precisa de mais cuidados para sobreviver e, quando qualquer descuido dos pais ou cuidadores pode ser internalizado como abandono ou negligência. É causa comum de diversos transtornos de apego que configuram os de personalidade como o Fronteiriço (Borderline) e, na minha opinião inclui o autismo, quando a deficiência da relação parental leva ao isolamento do mundo que lhe parece hostil. O lugar mais seguro é para dentro de si mesmo.
Alguns eventos chave:
- Doenças, febre alta, envenenamento acidental;
- Abuso sexual, físico e emocional, inclusive abandono e espancamentos;
- Testemunhar violência;
- Cirurgias, especialmente retirada de amidalas com uso de éter, operações por problemas auditivos ou visuais;
O trauma de choque pode ocorrer a qualquer momento da vida, por algo que foi súbito demais ou intenso demais para o sistema nervoso processar e integrar. Tem causas principais em eventos como:
Iniciando
Iniciamos este novo canal de relacionamento, onde traremos notícias sobre a origem do trauma, suas causas, desdobramentos, consequências, e as ferramentas que estão disponíveis para o tratamento e transformação dessas experiências avassaladoras e paralisantes, agora e no futuro.
Quem passa por um evento traumático se imobiliza, passa a viver com tensões na musculatura e alterações constantes de humor, supostamente solúveis com fármacos e meios alternativos. Tudo isso tem seu valor e lugar, entretanto a perda da autonomia e do poder de escolha, por tornar-se refém das emoções perturbadoras que aparecem sem pedir licença, são fruto de um sistema nervoso sobrecarregado, e é nele que reside a solução definitiva.
O sistema nervoso surgiu primeiro nos vermes entre 550 e 600 milhões de anos no processo evolutivo. Com ele nasceu o instinto de sobrevivência e tudo o que for necessário para preservar a vida. À medida que a diversidade aumentou foi se adaptando ao meio. Quando surgiram os répteis esse sistema foi aperfeiçoado para cumprir novas funções, já que o ambiente agora seria a terra firme além da água. Nos mamíferos, dentre eles o ser humano, dividiu-se entre sistema nervoso central e periférico, trazendo informações de sensações de todo o corpo (propriocepção) e do ambiente para que o cérebro nos posicione aonde devemos estar.
Nos seres humanos, o cérebro monitora cada processo celular do corpo, escaneando e corrigindo as alterações através dos hormônios durante as 24h do dia, processos em que emprega mais de 1.000.000.000.000.000 (um quatrilhão) de conexões neurais. Tudo isso acontece de forma inconsciente para nós, em regiões denominadas subcorticais (abaixo do córtex), e que nos mantém vivos, conscientes de quem somos, de aonde estamos e com quem nos relacionamos, dentre outras coisas.
Uma máquina maravilhosa, com um poder de processamento incomensurável, mas que pode sofrer avarias pelos traumas que vivenciamos.